Carol de Goes

Não tenha medo do escuro

A escuridão é um canvas em branco para a criatividade. Quando não podemos ver, imaginamos. Na infância, criamos terríveis monstros na penumbra; na idade das trevas, inventamos teorias fantásticas para explicar o mundo à nossa volta. Luz é metáfora de conhecimento, enquanto a sombra, de ignorância.

É na noite onde espreita o desconhecido, e nós temos medo. Luz bondosa, trevas malignas; luz é vida, treva é morte. Com isso, o escuro, apesar de assustador, nos dá infinitas oportunidades de refletirmos sobre as dicotomias sempre presentes na filosofia e na arte. É óbvio que sem trevas não há luz, e também sem ausência não há presença e sem vazio não há cheio.

A fotografia é síntese dessas dicotomias. Ela é a recuperação do que perdemos, do que esteve lá e que não está mais. A fotografia é tábua de salvação para nós, humanos temerosos da iminência da perda, do escuro da falta de memória.
Andre Feltes
Andre Feltes
Vemos a fotografia como uma imagem que somente pode existir por causa da luz e nos esquecemos que sem o escuro ela também não pode existir. Para começar, a própria etimologia da palavra exalta a luz: fotografia, escrita de luz. Quando vemos uma bela fotografia, comentamos como estava boa a luz, nunca elogiamos a sombra.

Esquecemos, também, de como o escuro é catalizador para a criação.
Mas é na fotografia onde o negativo e o positivo trocam de lugar, e as trevas merecem um lugar ao sol.
Geraldo de barros
Na fotografia podemos explorar as sombras com alguma flexibilidade, apesar das limitações físicas que o equipamento nos impõe. A latitude dos filmes e dos sensores está longe de ter a riqueza da latitude do olho humano, mas alguns fotógrafos usam isso em seu favor.

O Pio Figueroa, por exemplo, tem a sombra muito presente em seu trabalho, chega a ser uma assinatura. O André Feltes recentemente publicou sua série “Transit”, em que o escuro é assunto central no ir e vir de um não-lugar, um terminal de transporte público. A Viviane Sassen transforma a sombra em personagem e objeto — a escuridão é tátil na ilusão fotográfica.

A sombra é também elemento gráfico, a exemplo do trabalho de Geraldo de Barros e de Moholy-Nagy. O trabalho de Alexander Rodchenko talvez não fosse tão dramático se não tivesse contrastes tão marcados.
PIO FIGUEIROA
O poema “A Noite Escura da Alma”, escrito no século XVI por São João da Cruz, descreve a dolorosa jornada da ascensão pessoal do mundo material para os braços de Deus. Ele usa a noite como analogia à crise do processo de evolução espiritual. Já nós, artistas, temos nosso processo criativo como crise até encontrarmos a luz.

O trabalho do artista é um risco constante: o risco do fracasso, da reprovação ou indiferença do olhar do outro. A arte não tem fórmula, ela é inexata, subjetiva e incerta, e é preciso muita coragem e estrutura para fazê-la. O artista não tem como escapar das trevas. Sendo assim, é melhor não só abraçá-la, mas também convidá-la para a próxima dança.
Moholy Nagy
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